Para escrever
este artigo sobre as novas tendências da Teologia, temos de começar por
examinar o pensamento do homem dos nossos dias. Estamos no limiar do novo
milênio, e pode-se afirmar que os últimos dois ou três séculos foram férteis na
evolução do pensamento humano. O assunto foi abordado pelo teólogo brasileiro Ricardo
Godim, no III Encontro de Profissionais Cristãos em que este teólogo
destacou cinco aspectos do pensamento da modernidade:
Por Camilo S.
Coelho
Secularização, que foi a libertação da tutela
religiosa, nos seus vários aspectos, nomeadamente: A ciência devocional é
substituída pela ciência utilitarista ou tecnociência, geradora de conforto e
felicidade. A tutela do papa e do rei dá lugar aos ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade. A decadência do catolicismo medieval e o surgimento
do protestantismo. A religião mística, desprovida da razão, dá lugar ao livre
exame da Bíblia, que se torna um livro acessível a todos. A tutela religiosa dá
lugar a uma sociedade sem influência da religião, ou seja, a descristianização
da sociedade.
Pluralização, que se traduziu em um maior número de
opções disponíveis na sociedade, em todos os aspectos. É no supermercado, na
livraria, no vestuário, na arquitetura etc. Pode-se definir pluralização com a
frase “viva como achar melhor”, o que tem muitas semelhanças com a
antiga Grécia e Roma, só com a diferença de que este “ecumenismo”
não tem centro e deu origem a várias cosmovisões. Surgiu um sem-número de “fés”
que competem entre si, com pouco ou quase nada em comum.
Privatização, que é o direito de cada indivíduo
escolher e proteger a sua liberdade pessoal, pois num mundo de cosmovisões tão
diferentes, há que se proteger de outras ideias no seu mundo privado. Isto tem
vantagens, pois implica a independência pessoal, mas tem como consequência, que
nos tornamos órfãos da comunidade, pois somos o único senhor das nossas
decisões. A privacidade, por um lado, ajuda a nos protegermos do totalitarismo
e das tiranias culturais, mas dá-nos uma responsabilidade acrescida, pois
passamos a ser os únicos árbitros de nós mesmos, gerando-se uma sociedade de
solitários.
Globalização, que é de certa maneira uma reação à
privatização, pois, como ser solitário, o homem busca a sua identificação com a
chamada “aldeia global”. Desde a invenção da imprensa, do rádio, da
televisão, dos computadores, e da Internet, as distâncias estão cada vez mais
curtas e sentimo-nos cada vez mais e mais integrados nesta aldeia global,
tornando-nos cidadãos do mundo.
Como consequência
desta globalização, temos uma cultura mais reduzida, que conduz à
superficialidade, devido ao excesso de informação, sem termos tempo para a
examinar, absorver ou rejeitar, e o tempo é mais rápido. A cosmovisão da modernidade
é global, o que, por um lado, é ótimo, pois por meio da Internet temos acesso a
todo o mundo, incluindo as maiores bibliotecas, mas em vez de produzir mais
cultura, produz uma cultura rasa e sem a menor crítica.
Fragmentação, que é a situação do homem sem raízes,
sem centro, sem raciocínio, sem Deus, só ele próprio com a sua emoção de
momento. É o homem reduzido ao eu mínimo. Como consequência, temos o
encerramento das portas migratórias, a guerra étnica, o neonazismo e o
fragmentar das culturas e da religião.
Segundo Ricardo
Gondim, é este o contexto cultural em que vivemos nos últimos anos e que,
embora em decadência, ainda se mantém nos nossos dias.
Influência da
modernidade na teologia
Podemos
destacar vários aspectos da influência da modernidade na teologia:
Penso que:
Em primeiro
lugar, devo
mencionar o descrédito da religião. Desde que a secularização libertou a
ciência da tutela religiosa, os investigadores dos vários ramos das ciências
puderam trabalhar livremente, sem se preocupar se as suas conclusões estavam ou
não de acordo com os ensinos da Igreja Católica. Iniciou-se, então, o
desenvolvimento dos vários ramos do conhecimento humano, incluindo a própria
Teologia. Por exemplo: A medicina desenvolveu-se mais nos últimos três séculos
do que nos três milênios anteriores. As grandes viagens de circunavegação vêm
revogar a concepção cosmogônica da Antiguidade, que considerava a terra como um
disco plano à superfície das águas, apoiado em colunas.
O aumento da
alfabetização em geral e o aparecimento da imprensa tornaram a Bíblia um
livro acessível a todos, pois até a Igreja Católica já desistiu de a proibir.
Em segundo
lugar, e de certa
maneira como consequência do descrédito da religião, há o surgimento de uma
nova cosmovisão.
Deus deixou de
ser o centro da cosmovisão para ser substituído pela mente humana. A antiga
cosmovisão, com a estratificação de sociedade, defendida pelo catolicismo
medieval, em que se imaginava uma grande catedral em que Deus estava na
cúpula, vindo a seguir o papa, os reis, o clero, a nobreza, o povo e os
escravos, foi substituída por uma nova cosmovisão em que o centro já não é Deus,
mas a mente humana deificada.
Certamente que
rejeitamos a antiga cosmovisão, pois embora possamos ser crentes e membros das
igrejas, somos também produtos da secularização e estamos prontos a defender o
nosso conceito de liberdade.
Podemos também
questionar se a antiga cosmovisão foi produto da revelação bíblica ou simples
fruto da tradição religiosa. Mas também podemos perguntar se estará a mente
humana preparada para ser o centro da nossa própria cosmovisão.
Consequências
da modernidade na tendência da Teologia atual.
Os fatos que
acabamos de mencionar levaram ao descrédito não só o catolicismo, mas também as
religiões em geral. Os dirigentes religiosos perderam a sua credibilidade e o
homem do nosso tempo tem certa dificuldade em considerar a Teologia como uma
ciência. Lembro, por exemplo, o caso da Universidade de Coimbra com capela
privativa para o seu reitor, que inicialmente era um sacerdote.
Passamos de
uma época em que a Teologia era considerada a mãe de todas as ciências para o
extremo oposto, em que muitos têm dúvidas em aceitá-la como ciência. Parece que
atualmente a Teologia se isolou das outras ciências, fato que vem afetar ainda
mais a sua credibilidade entre os estudiosos.
Escusado será
mencionar as dificuldades de expansão das igrejas dos nossos dias, em especial
nas sociedades com maior desenvolvimento, onde é mais marcante o pensamento da
modernidade, nomeadamente na Europa.
Em face do
contexto cultural em que vivemos, muitos dos mais respeitáveis teólogos parecem
responder afirmativamente à seguinte questão: Não deveria a mensagem do
Evangelho adaptar-se à atualidade? Penso que não é possível responder com um
sim ou com um não. Tudo depende do que se entende por “adaptação aos nossos
dias”.
Segundo 1
Co 9.19-23, Paulo procurava uma certa identificação com aqueles a
quem comunicava o Evangelho, mas acredito que isso, embora implicasse métodos
diferentes nos meios de comunicação, não significava que o Evangelho fosse
diferente.
Nos jornais
que se publicam hoje, encontro páginas inteiras dedicadas aos signos e anúncios
sobre astrologia, fatos impensáveis no auge do Iluminismo. Parece que o
pensamento da modernidade já está de certa forma em decadência.
Será acertado
rejeitar na época presente uma abordagem teológica sob uma visão teocêntrica,
que sobreviveu aos ataques de várias culturas nos últimos 4000 anos, para a
adaptar aos nossos tempos, sendo de prever que, tudo que se faça estará já
ultrapassado nas próximas décadas, obrigando a próxima geração a nova
alteração? Não se tornaria assim o Evangelho um produto do nosso próprio contexto
cultural?
Uma das
maiores dificuldades do pensamento da modernidade em relação à religião
encontra-se na cosmovisão do homem dos nossos dias, que já não se aproxima de Deus
pelo que Ele é, pelo fato de Deus existir e ser o nosso Criador. No
pensamento secular do nosso tempo, o homem é o centro da sua própria
cosmovisão.
Assim, Deus é
olhado sob o aspecto utilitarista. É o homem, centro da sua própria cosmovisão que vai
ponderar se vale a pena aceitar a Deus, e antes de perguntar se Deus
existe ou se é verdadeiro, a principal pergunta é: Para que serve Deus?
Em que é que Ele me poderá ser útil? Assim, é compreensível a tentação de
substituir a tradicional apresentação do Evangelho sob uma visão teocêntrica
por uma apresentação antropocêntrica, mais em sintonia com o pensamento da
modernidade em que o ser humano é o centro da sua própria cosmovisão.
Mas a
apresentação do Evangelho sob uma visão antropocêntrica, que parece à primeira
vista uma alteração insignificante, tem um sem-número de consequências
secundárias: Embora as pregações sejam mais compreensíveis para o homem
secularizado, nem por isso se tornam mais aceitáveis e credíveis, pois o homem
perdeu a confiança nas igrejas, onde, por vezes, é apresentado um “deus
envergonhado de ser Deus”, que procura adaptar-se ao pensamento da
modernidade e mendigar um pouco de atenção do homem, centro da sua própria
cosmovisão.
Deus
secularizado: As pregações
tendem a esquecer a apresentação do Deus supremo, para mostrar cada vez
mais a imagem de um deus que está ao serviço do ser humano, que vem resolver os
seus problemas sociais e que o convida a colaborar.
Assim, a
Igreja abandona a sua missão profética para se tornar simples instituição de
solidariedade social. A salvação, por meio do sangue de Jesus derramado
no Calvário em favor da humanidade, idéia base do Evangelho, é
substituída por uma exortação a uma vida mais útil em favor do nosso semelhante
que apela mais para o amor-próprio do que para a regeneração do ser humano, que
passa a ser obra do próprio homem.
Já não se dá a
devida ênfase à cruz de Cristo, nem se fala na cruz que cada cristão tem
de carregar, pois isso levaria à imediata rejeição do Evangelho pelo pensamento
da modernidade, mais preocupado com a utilidade da mensagem do que com a sua
veracidade.
Sobre o
assunto, o teólogo Paul Tillich, (“Perspectivas da teologia protestante
nos séculos dezenove e vinte” tradução da ASTE 1986, p. 64s), afirma que se
procura cada vez mais uma religião razoável, pela eliminação nas pregações de
temas como a morte, a culpa, e o inferno, e ataca-se com mais furor a idéia do
pecado original, por colidir com a crença no desenvolvimento progressivo da
situação do homem na terra.
Embora ele se
refira à época do Iluminismo, julgo que a observação ainda se mantém
válida, pois ainda há quem continue a busca da tal religião razoável.
Mas, se os
antigos métodos de comunicar o Evangelho não resolvem, quais as alterações
aceitáveis e quais as que devemos rejeitar? Penso que serão aceitáveis todas as
alterações que tendam a uma maior integração do culto evangélico à nossa
realidade, como, por exemplo, as alterações ao nível da liturgia e dos hinos,
que são tradições culturais e, como tais, deverão ser alteradas sempre que
necessário, pois não são propriamente o Evangelho, mas o meio de o transmitir.
Noto nas
igrejas atuais uma grande preocupação na preservação da sua identidade
litúrgica, que não é propriamente o Evangelho e que, por vezes, tem consequências
desastrosas, pois acaba por se formar uma “minicultura” própria de cada
igreja, em que até as palavras têm significados que só são válidos nessa
realidade, em que as pregações só satisfazem e só têm significado para o
restrito grupo dos seus crentes.
Afinal, Jesus
nunca foi o que poderíamos chamar de “pregador de sinagoga” ou “pregador
de igreja”. Embora também tivesse ensinado no Templo e nas sinagogas, os
principais ensinos de Jesus foram divulgados perante as grandes
multidões, nas praias e nos montes.
É, portanto, urgente recolocar a mensagem do Evangelho no ambiente em que Jesus a divulgou. Estabelecendo um paralelo de ideias com nossa época, poderíamos dizer que o Evangelho deverá ser anunciado no ambiente secular dos nossos dias. Em vez de “subirmos ao púlpito das igrejas” para dar continuidade a uma tradição cultual e cultural que já pouco ou quase nada diz ao homem atual, há que aprender a “descer ao púlpito de Jesus”.
No entanto, não tenho
dúvidas em rejeitar as alterações que impliquem a anulação ou o “diluir” da
mensagem do Evangelho tal como Jesus o anunciou, ou que de certa forma
sejam a influência da modernidade na própria mensagem do Evangelho, pois isso
seria o sal a perder o seu sabor, ou talvez ainda pior. Seria uma inversão de
valores, seria o próprio “sal” a ser salgado pelo “mundo”.
Fonte de pesquisa
Defesa da Fé Edição 23
https://www.icp.com.br/df23materia2.asp
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