“Todos nós somos Onésimos!”.
Texto Básico: Carta de Paulo a Filemom
Texto Devocional: Fm 21. Escrevo-te confiado na tua obediência, sabendo que farás ainda mais do que peço.
Introdução: Paulo era prisioneiro em Roma, seu amigo Filemom estava em Colossos, e o elo entre os dois era um escravo fugido chamado Onésimo.
Os detalhes não ficam claros, mas, ao que parece, Onésimo havia roubado de seu senhor e, depois, fugido para Roma, na esperança de desaparecer no meio da multidão da metrópole populosa. Mas, pela providência de Deus, ele se encontrou com Paulo e se converteu!
E agora? Talvez Onésimo devesse ficar com Paulo, que precisava de toda ajuda possível. Mas e quanto às responsabilidades do servo para com seu senhor em Colossos? Por lei, o senhor tinha permissão de executar um escravo que se rebelasse, mas Filemom era cristão. Se perdoasse Onésimo, o que os outros senhores (e escravos) pensariam? E se o castigasse, de que maneira isso afetaria o seu testemunho? Que dilema!
É provável que Tíquico e Onésimo tenham levado esta carta a Colossos junto com a Epístola aos Colossenses (Cl 4:7-9). Nela, vemos Paulo em três papéis importantes ao tentar ajudar Filemom a resolver seu problema. Ao mesmo tempo, observamos uma bela imagem do que o Pai fez por nós em Jesus Cristo. Martinho Lutero disse bem: “Todos nós somos Onésimos!”.
1. Paulo, o amigo amado (Fm 1-7)
Paulo não havia fundado a igreja em Colossos nem a havia visitado (Cl 1:1-8; 2:1). É provável que essa igreja tenha começado como resultado de seu ministério em Éfeso (At 19:10,20,26) e que Epafras fosse o pastor fundador (Fm 23 Saúda-te Epafras, meu companheiro de prisão em Cristo Jesus,). A igreja reunia-se na casa de Filemom e Áfia, sua esposa.
Alguns acreditam que Arquipo era filho de Filemom, mas não sabemos ao certo. Talvez fosse o presbítero substituto de Epafras, que havia ido a Roma para ajudar Paulo. Se esse é caso, fica explicada a forte admoestação de Paulo a Arquipo em Cl 4:17, uma carta escrita para a igreja toda.
Paulo expressa o seu amor: Nessa saudação, Paulo expressa seu amor profundo pelos seus amigos cristãos e os lembra de que estava preso por causa de Jesus Cristo (ver também Fm 9,10,13,23). Timóteo é incluído na saudação, apesar de o conteúdo principal da carta ser do coração de Paulo para o coração de Filemom.
A equipe de Paulo: O ministério de Paulo era um trabalho de “equipe”, e, ao escrever suas cartas, costumava Incluir o nome de seus colaboradores. Gostava de usar os termos “cooperador” e “companheiro” (ver Rm 16:3, 9, 21; 1 Co 3:9; Fp 2:25; 4:3; Cl 4:11).
Como eram as Igreja do Novo Testamento: As igrejas do Novo Testamento reuniam-se nos lares (Rm 16:5, 23; 1 Co 16:19), e talvez a igreja na casa de Filemom fosse uma das duas congregações de Colossos (Cl 4:15). Paulo havia ganhado Filemom para Cristo (ver Fm 19), e Filemom havia se tornado uma bênção para outros cristãos (Fm 7).
As características das Cartas Paulinas: O apóstolo costumava começar suas cartas com palavras de gratidão e louvor a Deus (Gálatas é uma exceção). Nessas ações de graças, Paulo descreve seu amigo como um homem de amor e de fé, tanto para com Jesus Cristo quanto para com o povo de Deus.
Seu amor era prático: ele “reanimava” os santos por meio de suas palavras e de seu trabalho. Paulo diz a Filemom que está orando por ele e pedindo a Deus que lhe dê um testemunho eficaz (“a comunhão da tua fé”) de modo que outros venham a crer em Jesus Cristo. Também ora para que seu amigo tenha uma compreensão mais profunda do que possui em Jesus Cristo. Afinal, quanto mais conhecemos a Cristo e experimentamos suas bênçãos, mais desejamos compartilhar essas bênçãos com outros.
2. Paulo, o intercessor suplicante (Fm 8-16)
Estima-se que havia cerca de seis milhões de escravos no império romano, homens e mulheres tratados como mercadoria a ser comprada e vendida. Um provérbio conhecido da época dizia: “O número de escravos é o número de inimigos!” O escravo que fazia serviços gerais era vendido por cerca de quinhentos denários (um denário equivalia ao que um trabalhador comum recebia em um dia), enquanto os escravos mais instruídos e habilidosos poderiam ser vendidos por até cinquenta mil denários. O senhor poderia libertar um escravo ou o próprio escravo comprava sua liberdade, caso conseguisse levantar a soma equivalente a seu preço (At 22:28).
A fuga e a consequência: Se um escravo fugia, o senhor registrava seu nome e descrição junto às autoridades, e o escravo era colocado na lista de “procurados”. Qualquer cidadão livre que encontrasse o escravo poderia assumir a custódia deste e até interceder junto ao proprietário.
O escravo não era devolvido de imediato ao senhor nem condenado automaticamente à morte. Apesar de ser verdade que muitos senhores eram cruéis (um homem jogou um de seus escravos em um tanque cheio de peixes carnívoros!), muitos deles também eram justos e humanos. Afinal, um escravo era uma propriedade pessoal de grande valor, e custava caro perdê-lo.
Ao interceder por Onésimo, Paulo apresenta cinco apelos veementes. Começa com a reputação de Filemom com o homem que abençoava a outros. A expressão “pois bem”, em Filemom 8, tem o sentido de “portanto”.
Uma vez que Filemom era um cristão que reanimava a outros, Paulo desejava dar-lhe a oportunidade de reanimar seu coração! Filemom havia sido uma grande bênção para muitos santos e, agora, seria uma bênção para um de seus escravos que acabara de se converter!
Paulo poderia ter utilizado sua autoridade apostólica para ordenar que seu amigo lhe obedecesse, mas preferiu rogar-lhe em nome do amor cristão (Fm 9 todavia prefiro rogar-te por esse teu amor, sendo eu como sou, Paulo o velho, e agora até prisioneiro de Cristo Jesus,). Podemos ver como o apóstolo usa de muito tato ao lembrar Filemon de sua situação pessoal: “Paulo, o velho e, agora, até prisioneiro de Cristo Jesus” (Fm 9).
Vindo de um santo aflito com o Paulo, o pedido era irrecusável! É provável que, nessa época, o apóstolo estivesse com cerca de 60 anos, o que, para os homens daquele tempo, era uma idade avançada. Além do caráter bondoso de Filemom e do amor cristão, Paulo apela também para a conversão de Onésimo (Fm 10).
Onésimo não era mais “apenas um escravo”; havia se tornado filho de Paulo na fé e irmão de Filemom em Cristo! Em Jesus Cristo, “não pode haver [...] nem escravo nem liberto” (Gl 3:28). Isso não significa que a conversão de Onésimo alterou sua situação legal como escravo, nem que cancelou sua dívida para com a lei ou para com seu senhor.
Mas quer dizer que, diante de Deus e do povo de Deus, Onésimo havia passado a ocupar uma nova posição, e Filemom devia levar isso em consideração.
No quarto apelo, Paulo relata com o Onésimo foi valioso para ele em seu ministério em Roma (Fm 11-14). O nome Onésimo quer dizer “útil”, de modo que Filemom 11 apresenta um jogo de palavras. (O nome Filemon quer dizer “afetuoso” ou “aquele que é bondoso”. Se era esperado do escravo que ele fizesse jus a seu nome, o que dizer de seu senhor?) Paulo amava Onésimo e o teria mantido consigo em Roma como colaborador, mas não desejava diz era Filemon o que fazer. O Senhor deseja de seus filhos sacrifício e serviço voluntários, motivados pelo amor.
O quinto apelo diz respeito à providência de Deus (Fm 15,16). Paulo não é dogmático (arrogante) (usa a expressão “Pois acredito que…”) ao fazer esta declaração importante: como cristãos, devem os crer que Deus está no controle até das experiências mais difíceis da vida. Deus permitiu que Onésimo fosse a Roma para que pudesse encontrar-se com Paulo e se converter (sem dúvida, Filemom e sua família haviam testemunhado ao escravo e orado por ele).
Onésimo partiu para que pudesse voltar. Ficou longe por algum tempo para que ele e seu senhor ficassem juntos para sempre. Partiu para Roma como escravo, mas voltaria a Colossos com o irmão. Quanta bondade de Deus governar e prevalecer sobre estas coisas!
O Dilema de Filemom: Ao recapitular estes cinco apelos, podemos ver como Paulo usou de grande ternura para convencer o amigo Filemom a receber seu escravo desobediente de volta e perdoá-lo. Mas não seria fácil para Filemom fazer isso. Se fosse brando demais com Onésimo, poderia influenciar outros escravos a “se converterem” e a influenciarem seus senhores. Se fosse duro demais com ele, isso afetaria seu testemunho e ministério em Colossos.
Então, Paulo oferece a solução perfeita. Trata-se de uma solução dispendiosa, no que diz respeito ao apóstolo, mas ele está disposto a pagar o preço.
3. Paulo, o companheiro Preocupado (Fm 17-25)
O termo traduzido por “companheiro” é koinonia, que significa “ter em comum”. Em Filemon 6, é traduzido por “comunhão”. Paulo oferece-se para ser “sócio” de Filemom e ajudá-lo a resolver o problema com Onésimo. Faz duas sugestões: “recebe-o, como se fosse a mim” e “lança tudo [o que ele roubou de ti] em minha conta”.
Como novo “sócio” de Filemom, Paulo não tinha como sair de Roma e ira Colossos, mas poderia enviar Onésimo com o seu representante pessoal. “Trate Onésimo como você me trataria”, diz o apóstolo. “Eu to envio de volta em pessoa, quero dizer, o meu próprio coração” (Fm 12).
Para mim, trata-se de uma ilustração do que Jesus Cristo fez por nós, os que cremos nele. O povo de Deus é identificado de tal modo com Jesus Cristo que ele nos recebe da mesma forma como recebe seu Filho!
Somos aceitos “no Amado” (Ef 1:6) e vestidos com sua justiça (2 Co 5:21). Por certo, não podemos nos aproximar de Deus por algum mérito próprio, mas Deus nos recebe quando nos achegamos a ele “em Jesus Cristo”.
O termo “receber”, em Filemom 17, significa “receber no seu círculo familiar”. Imagine um escravo ser aceito na família de seu senhor! Mais maravilhoso ainda é um pecador perdido ser aceito na família de Deus; Paulo não sugere que Filemom ignore os crimes do escravo e esqueça o que Onésimo lhe devia. Antes, oferece pagar essa dívida do próprio bolso: “lance tudo em minha conta e eu pagarei”. A linguagem que Paulo usa em Filemom 19 é muito parecida com a de uma nota promissória legal da época. Essa é a garantia do apóstolo a seu amigo de que a dívida seria paga.
É preciso mais do que amor para resolver problemas; o amor deve pagar um preço. Deus não nos salvou por seu amor, pois, apesar de amar o mundo inteiro, nem todos são salvos. Deus salva os pecadores pela graça (Ef 2:8,9), e a graça é o amor que paga um preço.
Em sua santidade, Deus não poderia ignorar nossa dívida, pois Deus deve ser fiel à própria Lei. Assim, ele pagou a dívida por nós! Os teólogos chamam isso de “doutrina da imputação” (imputar significa “depositar na conta”). Quando Jesus Cristo morreu na cruz, meus pecados foram colocados na conta dele, e o Senhor foi tratado da maneira como eu deveria ter sido.
Quando o aceitei como Salvador, sua justiça foi depositada na minha conta, e, agora, Deus me aceita em Jesus Cristo. Jesus disse ao Pai: "ele não lhe deve mais coisa alguma, pois eu paguei tudo na cruz. Receba-o como receberia a mim. Aceite-o no círculo da família!"
É preciso sempre lembrar, porém, que há uma diferença entre ser aceito em Cristo e ser aceitável para Cristo. Todo o que crê em Jesus Cristo como Salvador é aceito nele (Rm 4:1-4). Mas o cristão deve esforçar-se de modo a, com a ajuda de Deus, ser aceitável ao Senhor em sua vida diária (Rm 12:2; 14:18; 2 Co 5:9; Hb 12:28).
O Pai deseja olhar para os que estão no Filho e dizer sobre eles o mesmo que disse sobre Jesus: “Em ti me comprazo” (Mc 1:11 e ouviu-se dos céus esta voz: Tu és meu Filho amado, em quem me comprazo). Filemom 19 dá a entender que foi Paulo quem levou Filemom à fé em Cristo. O apóstolo usa esse relacionamento especial para incentivar o amigo a receber Onésimo. Filemom e Onésimo não eram apenas irmãos espirituais no Senhor, mas também tinham o mesmo “pai espiritual” - Paulo! (ver Fm 10 e 1 Co 4:15).
Será que, em Filemom 21, Paulo está insinuando que Filemom deve ir além e libertar Onésimo? Nesse caso, por que o apóstolo não é mais claro e objetivo e condena a escravidão? Sem dúvida, esta carta seria a ocasião ideal para fazê-lo. Paulo não “condena” a escravidão nem aqui nem em qualquer outra de suas epístolas, apesar de, em várias ocasiões, ter uma palavra de admoestação para os servos e seus senhores (Ef 6:5-9; Cl 3:22 - 4:1; 1 Tm 6:1, 2; Tt 2:9, 10).
O encorajamento de Paulo para os Escravos: Na verdade, encoraja os escravos cristãos a obter sua liberdade quando possível (1 Co 7:21-24). Durante a Guerra Civil nos Estados Unidos, os dois lados recorriam à Bíblia para “provar” que estavam certos em defender ou condenar a escravidão. Um argumento bastante usado na época era: "Se a escravidão é tão errada, por que Jesus e os apóstolos não disseram coisa alguma a esse respeito? Paulo dá instruções que regulamentam a escravidão, mas não a condena".
Uma das melhores explicações é dada por Alexander Madaren em seu comentário sobre Colossenses em The Expositor's Bible (Eerdmans, 1940, vol. VI, p. 301):
Em primeiro lugar, a mensagem do cristianismo é dirigida, principalmente, a indivíduos e, apenas de modo secundário, à sociedade. Deixa ao encargo das unidades que influenciou o trabalho de influenciar as massas. Em segundo lugar, atua sobre atitudes espirituais e morais e, somente depois disso e em decorrência de tais atitudes, sobre atos ou instituições.
Em terceiro lugar, essa mensagem abomina a violência e confia inteiramente na consciência esclarecida. Assim, não se envolve diretamente com nenhuma estrutura política ou social, mas declara princípios que afetam profundamente tais estruturas e instila seus princípios na consciência geral.
Se os primeiros cristãos tivessem começado campanhas contra a escravidão, teriam sido exterminados pela oposição, e a mensagem do evangelho teria sido confundida com uma plataforma social e política. Convém lembrar com o foi difícil abolir a escravidão na Inglaterra e nos Estados Unidos, duas nações com uma população relativam ente instruída e com a presença da religião cristã para ajudar a preparar o caminho.
Também devem os lembrar das lutas dos movimentos mais recentes em prol dos direitos civis, até mesmo dentro da igreja. Se foi tão difícil vencer a batalha nos séculos XIX e XX, imagine com o teria sido esse conflito no século II Os cristãos são o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5:13-16), e sua influência espiritual deve ser sentida na sociedade para a glória de Deus.
O Senhor usou José no Egito, Ester na Pérsia e Daniel na Babilônia, e, ao longo de toda a história da Igreja, cristãos têm ocupado cargos políticos e servido ao Senhor fielmente. Mas os cristãos do império romano não poderiam trabalhar por meio das estruturas políticas e democráticas locais como podemos fazer hoje em dia, de modo que não tinham nenhum poder político para causar transformações.
Foram necessários vários séculos para acabar com a escravidão, e a mudança teve de vir de dentro para fora. Paulo encerra esta carta com seus pedidos e saudações pessoais costumeiros. Estava certo de que seria liberto e visitaria Filemom e Áfia em Colossos (com o indica o uso dos pronomes no plural em Fm 22).
Até mesmo esse fato serviria de incentivo a Filemom seguir as instruções de Paulo, pois certamente não desejava se sentir envergonhado ao se encontrar pessoalmente com o apóstolo. Como vimos, é provável que Epafras fosse o pastor da igreja e que havia ido a Roma para ajudar Paulo. Não sabemos se ele era um “prisioneiro voluntário” por amor a Paulo ou se era, de fato, prisioneiro dos romanos.
De qualquer modo, devemos louvá-lo por sua dedicação a Cristo e ao apóstolo. João Marcos, que estava com Paulo (Cl 4:10), era o rapaz que o havia abandonado na primeira viagem missionária (At 12:12,25; 15:36-41). Paulo havia perdoado Marcos e era grato pelo seu ministério fiel (ver 2 Tm 4:11).
Aristarco era de Tessalônica e acompanhou Paulo a Jerusalém e, depois, a Roma (At 19:29; 27:2). Demas é mencionado três vezes nas cartas de Paulo: “Demas e Lucas, meus cooperadores” (Fm 24), “Saúda-vos […] Demas” (Cl 4:14) e “Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou” (2 Tm 4:10).
João Marcos falhou, mas foi restaurado. Demas parecia estar indo bem, mas caiu. Lucas, obviamente, é o “médico amado” (Cl 4:14) que acompanhou Paulo, ministrou ao apóstolo e, por fim, escreveu o Evangelho de Lucas e o Livro de Atos.
A bênção de Paulo é a “assinatura oficial” de suas cartas (2 Ts 3:17,18) e exalta a graça de Deus. Afinal, foi a graça de Jesus Cristo que tornou possível a salvação (Ef 2:1-10). Foi ele quem disse: “Lança tudo em minha conta! Recebe-os como se fosse a mim!”
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